Você sabe o que Fátima Bernardes sentia quando repetia diversas vezes “é obvio que nós queremos a Copa” e “o movimento não é contra a seleção brasileira” em seu programa matutino do dia 18 de Junho? Eu não sei. Mas pela insistência da apresentadora, desconfio que fosse medo.
Mas medo, mesmo, foi o que os manifestantes massacrados pela polícia de São Paulo sentiram durante os protestos pela redução da tarifa do transporte público na cidade. Medo e revolta. Revolta foi o que fez com o que milhares de pessoas saíssem às ruas de várias cidades do país no dia anterior ao do programa de Fátima, mesmo que toda a mídia brasileira tenha chamado aqueles manifestantes massacrados de “baderneiros” e “vândalos”.
Então foi a vez dos donos das emissoras de TV, Rádios e Jornais sentirem o único medo que são capazes: o de perder dinheiro. Já imaginou o prejuízo que as repercussões negativas de uma série de manifestações cada vez mais numerosas pode causar nas proximidades de arquibancadas de futebol repletas de estrangeiros? Imagine se as pessoas tivessem noção do estrago que um enorme apagão de audiência durante os grandes eventos faria no sistema como um todo?
Era necessário acabar com a baderna logo. Afinal, em poucas semanas, também começará a Jornada Mundial da Juventude Católica no Rio de Janeiro. Mais um evento que, assim como a Copa, leva muito dinheiro público.
O que o Papa vai pensar disso? É amedrontador.
Como se fosse uma deusa
E, qual um passe de mágica, o discurso da maior emissora do país e das suas concorrentes mudou completamente. Dias de caos e destruição se transformaram em “dias históricos, quando as pessoas de bem, vestidas de branco e com a cara pintada lutavam pelos seus direitos”.
O que aconteceu nas últimas semanas só será analisado com o devido distanciamento histórico, mas acredito que a imprensa brasileira ofereceu uma infinidade de casos de estudos para quem quiser se debruçar em pesquisas sobre a manipulação da opinião pública. Inclusive, manipulação que abusou de subterfúgios que ofendem a capacidade de discernimento de qualquer um que esteve na rua nestes dias agitados.
Talvez a maior de todas as deturpações seja o ocultamento às centenas de vaias e palavras de ordem como “O Povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e até “Pau no cu do Edir Macedo” cada vez que a câmera desta ou daquela emissora chegava perto de uma manifestação. A ponto dos jornalistas terem que fazer o seu trabalho escondendo as logomarcas das emissoras. Estas cenas aconteceram em diversas cidades do país, mas apenas uma foi exibida durante o programa Profissão Repórter, em que o Caco Barcellos era cercado por manifestantes que queriam impedir o seu trabalho, ao mesmo tempo que era protegido por outros.
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Do Prozac ao Projac
Em longas análises políticas na TV a cabo, noticiários ou nos tablóides, a imprensa brasileira empenhou-se como nunca em evidenciar a crise de representatividade que a democracia brasileira vive hoje.
A imprensa cobra uma mea-culpa dos políticos. Mas quando esta mesma imprensa, principalmente a televisiva, fará a auto-crítica necessária para honrar as concessões públicas do uso do espectro eletromagnético que ocupa?
O sinal de que as coisas não seria tão fáceis como nos anos 1970 foram as milhares de mensagens indignadas em um tipo de mídia que ainda não está sob os grilhões dos anunciantes ou caciques políticos: a internet. No dia seguinte após se ler, ver e ouvir que “não havia feridos” nas manifestações, dezenas de tumblrs e blogs foram criados com fotos de gente sangrando e cheia de hematomas. A versão de cada cidadã e cidadão era publicada em tempo real. Não era mais possível calar as pessoas ou fingir que elas não existem. Partiu-se para o plano B: direcionar as atenções, dar bandeiras a punhos vazios, oferecer soluções genéricas para quem sofria de disenteria ideológica.
E foi no Fantástico (programa dominical de formação de opinião da classe média) que os placebos ganharam propriedades científicas: o programa afirmou que iria “trazer as respostas das manifestações dos últimos dias”. O show da vida divulgou uma pesquisa encomendada ao IBOPE, na qual as motivações dos protestos variavam da PEC 37 à corrupção. Milagrosamente, a crítica aos meios de comunicação não apareceu em lugar algum.
No dia seguinte, estudantes de Florianópolis organizariam um debate sobre a mídia na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC). No evento, foi transmitido o documentário “Muito Além do cidadão Kane”. Nem todo mundo acreditou que o país estava dormindo até ontem e resolveu colocar a imprensa na pauta de muitas conversas nas ruas, nas casas e na internet, onde se dá a maior guerra de todas: a da informação. A cada dia, um boato novo surge: “A direita dará o golpe”, “o dia do basta está chegando”, “a Presidenta fechará a internet” (sendo esse o mais divertido de todos).
Cenas dos próximos capítulos
No fim das contas, a mídia impressa, sempre mais tradicional, ainda precisa vender papel para sobreviver. Talvez por isso, prefira o bom e muito velho “Golpe Comunista”. E em meio ao festival de abobrinhas, boas ideias florescem a cada dia nas redes. A Reforma Política é uma delas. Uma reforma no sistema eleitoral, que pode retirar o poder econômico o controle sobre a vida e a morte de uma república adolescente. Uma reforma que pode obrigar os partidos a conquistar aquilo que perderam faz tempo: a coerência. Uma reforma que pode mexer com muita coisa, inclusive a mídia, já que vai provocar o debate público sobre marco regulatório para as comunicações e um marco civil da internet.
Uma Reforma Política que pode não ser nem a que está em pauta hoje, nem a que a Presidente está falando. Uma Reforma Política que pode estar sendo escrita nas ruas.
Adivinhe qual será o próximo alvo da mídia?
Em tempo 2:
Um grupo de comunicadores independentes convocou pelas mídias sociais uma Assembleia Popular com o tema “Democracia na Mídia”. Este encontro aconteceu em São Paulo, às 19 horas na Praça Roosevelt, e, principalmente, na internet, já que será transmitido online. No evento, serão abordados aspectos como a concentração financeira da mídia tradicional, além de seu caráter pouco plural e nada diverso. Da mesma forma, serão debatidos temas como o papel da internet na nova mídia, suas oportunidade e limitações de alcance, entre outros assuntos.