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Obscenidades Catarinenses

Noite quente, casa lotada. A luz vai trocando de lugar com a fumaça, sinal de que em poucos minutos o show começa. Com suas longas orelhas de coelho, ela rebola, grita, canta, ri e bebe ao som de música eletrônica. Ela desce do palco, conversa com todos os presentes em um inglês tão apertado quanto as suas vestes fetichistas.

E assim segue o espetáculo Kassandra, produzido pela La Vaca Productora de Arte, com a atriz Milena Moraes e direção de Renato Turnes. A temporada de estreia foi financiada pelo Prêmio Myriam Muniz, da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE) de Teatro. Até então inédito no Brasil, o texto de Kassandra é do dramaturgo franco-uruguaio Sergio Blanco, que escreveu a peça propositadamente em um inglês precário para representar um idioma de sobrevivência. Outra exigência do autor é a de ser encenada em espaços não-convencionais. Em Florianópolis, Kassandra ganhou vida no Bokarra Club, a mais conhecida casa de “diversão adulta” da cidade.

O local de apresentação nunca foi um problema, até uma gravação de uma festa promovida pela prefeitura de Palhoça no Dia Internacional da Mulher com a participação de um gogo boy aparecer na mídia. Este fato levou o Governo Catarinense a condicionar a liberação dos recursos do Funcultural para a Maratona Cultural à mudança de local de apresentação de Kassandra, já que o espetáculo havia sido convidado a integrar a programação do evento.

O que o ânus tem a ver com as calças, ou melhor, com as orelhas? Só a mentalidade exótica dos governantes catarinenses e dos moralistas de plantão pode fornecer algum tipo de pista.

Além da decisão dos produtores de Kassandra de cancelar o espetáculo, o veto do governo catarinense provocou várias retiradas de outros espetáculos da programação da Maratona Cultural por parte dos produtores em solidariedade e protesto aos rumos da política cultural no Estado. Também se reproduzem a cada dia as manifestações de repúdio, como da Federação Catarinense de Teatro (Fecate), do Centro de Artes da Udesc e o do Fórum Setorial de Teatro.

Além da sociedade civil organizada, outras manifestações de protesto partem de indivíduos conectados à internet, como a “Maratona Cultural Livre”, uma plataforma colaborativa de mapeamento de atividades culturais independentes e a “Ocupação Coelho de Troia”, na qual os artistas, produtores e público são convocados a aderir ao movimento de protesto comparecendo aos eventos utilizando uma máscara de coelho, em alusão à personagem Kassandra.

O espetáculo Kassandra é inspirado na personagem mítica da Guerra de Troia: Uma princesa com o dom da vidência que é considerada louca e não consegue convencer seu povo do massacre iminente. Ao que parece, mais uma vez Kassandra encontrou seu trágico destino na ignorância dos homens.

Atualização

Cobertura in loco (pelo celular) da Operação Coelho de Tróia durante a peça Anti-Nelson Rodrigues, no Teatro da Ubro no dia 23/03/2013: http://mobile.skarnio.tv/tag/coelho-de-troia Registro em vídeo do manifesto: http://vimeo.com/62557028.

Santinha busca apoio

Jone Schuster é o que se pode chamar de agitador cultural. Envolvido com a cultura na região oeste catarinense, da articulação dos Pontos de Cultura à produção audiovisual, Jone tem chamado a atenção pelo tom provocativo de seus vídeos, que já lhe custou o cargo de Diretor Municipal de Cultura de Maravilha pela realização de “D’Exibicionismo”, um curta-metragem no qual somente as mentes mais depravadas poderiam encontrar algum tipo de atentado ao pudor entre seus frames.

A nova empreitada do diretor se chama “Santinha“, um curta sobre uma menina cega que é considerada uma Santa pela população local. Para a protagonista, Schuster convidou Mônica Mattos, que leu o roteiro, gostou, e topou. Apesar da longa experiência no audiovisual, com direito ao “Oscar” da sua categoria, esta é a quarta vez que Mônica se aventura em outros produções com mais peças no figurino.

Com exceção de Mattos, todos os demais atores moram ou nasceram na região oeste de Santa Catarina, inclusive o desenhista Regis Pessaroli, responsável pela animação presente no curta, “a história dentro da história”, segundo o diretor. Regis, assim como boa parte da equipe de Santinha, foi aluno em uma das oficinas oferecidas pela 3’K-Xolas, associação criada por Jone e amigos.

A trilha sonora fica por conta das bandas Epopeia e John Filme (Chapecó), Confraria da Costa (Curitiba), Os Generais (Maravilha) e o cantor Beto Só (Brasília).

Dia 15 de março começam os ensaios e coquetel em comemoração ao início das filmagens, com equipe e patrocinadores. A produção do curta Santinha continua procurando de apoio e patrocínio. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail filmesantinha @ globomail.com. Oportunidade única aos empresários que podem ao mesmo tempo, incentivar a produção local e associar a sua marca ao prestígio de uma estrela internacional.

O mundo contemporâneo cabe num show do Roupa Nova

Há muito tempo que a filosofia do cotidiano caiu no esquecimento da nossa construção cultural diária. Antes, parecia que era um tijolinho por vez, quando havia uma clara posição ideológica atrás de cada latinha de refrigerante ou das canções populares que berravam contra os governos autoritários. Mas cantores e compositores voltaram do exílio para um tempo de cisão. Porém, ao invés de uma ruptura histórica, como cisma da Igreja Católica ou o crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, o que se seguiu foi a abertura de um buraco no pensamento. A vala, cavalheiros e senhoritas, é tão grande que nada escapou dela e o passado que sobrevive às custas de uns poucos combatentes já não é mais o mesmo que era antigamente.

Quando as questões relativas ao futuro (e a tecnologia talvez seja o grande sintoma disso) ficaram extemporâneas porque cabem no presente, a própria ideia que tínhamos do passado como origem – do que somos ou do que poderemos ser – sofreu seu mais duro revés. Mesmo num show musical extremamente divertido, como foi a apresentação do grupo Roupa Nova em Biguaçu no último dia 20 de Julho de 2012, essa sensação de buraco afunda ainda mais em nossos corações. Seus velhos sucessos empolgam porque são, justamente, muito distantes deste sentimento de urgência que querem nos fazer necessário. Entre uma “Dona” e um “Anjo”, dois de seus grandes hits numa carreira de mais de 30 anos, percebemos que aquele romantismo padece de contemporaneidade. Não dá para negar que todo mundo ficou mais cínico, mesmo que por modismo. A justiça histórica faz seus próprios julgamentos com as únicas ferramentas que a sociedade lhe fornece: a vala, novamente. Se eles entoam à capela a frase “Eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir”, uma das expressões mais devastadoras do cancioneiro popular romântico, também existe ali o desejo pelo que ficou para trás – um acessório mental que até mesmo o maior dos cínicos carrega em si. É, para fazer nova referência sonora, aquela “boa dose de lirismo” que herdamos do sangue lusitano, como Chico Buarque cantava em “Fado Tropical”. Mas Buarque e Roupa Nova são hoje muito mais referenciais do que presenças criadoras. E, sem criação, a única parte boa do que consideramos ser a tradição deixa de ser real.

Assim como ocorre com a agricultura, volta e meia passamos por um período de entressafra no pensamento criativo. Por falar nisso, não custa lembrar que a palavra Cultura é oriunda da expressão latina “colere”, que significa cultivar. E a tecnologia é voltada muito mais à reprodução (imitação, entenda-se) do que ao cultivo. Não por acaso, nosso mundo contemporâneo cabe num show do Roupa Nova, quando nos divertimos à beça, mas ainda assim queremos muito mais.

> Biguaçu/SC/Brasil, 27 de Julho de 2012.

Programa Apêndice (um pedaço)

Literatura Catarinense: Uma provocação per si

Realizada durante a 2ª Maratona Cultural de Florianópolis, a mesa “Provocações sobre a Literatura produzida em Santa Catarina” atraiu cerca de 15 pessoas à Fundação Cultural Badesc em uma manhã de domingo ensolarado da capital catarinense. Dadas as circunstâncias, foi um sucesso de público.

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A primeira questão tratada foi a inevitável “existe uma literatura catarinense?”. Esta literatura seria a produção desenvolvida em Santa Catarina ou o que é produzido por escritores viventes no estado possui identidade suficiente para ser tratada como tal?

Além do dilema existencial, Fábio Brüggemann, Joca Wolff e Fifo Lima (não necessariamente nesta ordem) elencaram a falta de mecanismos de distribuição e a falta de uma entidade forte, que lute por políticas públicas na área (com como acontece no teatro e no cinema) como os principais entraves para a consolidação de uma literatura catarinense.

Dennis Radünz questionou a necessidade tanto de uma identidade quanto de reconhecimento, propondo discutir a “literatura em si”, enfatizando as possibilidades que o meio digital oferece, principalmente para a poesia, “que possui como fronteira apenas o idioma”. Victor da Rosa concordou, destacando que a “internet é onde a coisas estão acontecendo”.

Na visão dos mais empolgados com a rede, a distribuição e divulgação está se resolvendo com a cultura digital, afinal, ter mais seguidores no twitter do que a média de tiragem nacional não deixa de ser um dado entusiasmante. Estes seguidores são potencialmente leitores dispostos a baixar livros, curtir poesias no facebook e, quem sabe, pagar pela versão impressa da publicação.

O que está em cheque, segundo os menos otimistas, é a qualidade deste conteúdo em tempos de “democracia publicitária”, definida por Joca Wolff . “Se tem uma coisa que morreu definitivamente foi a crítica”, decreta Fábio Brüggemann, no que Dennis Radünz festeja: “que bom”.

Brüggemann defende a produção de crítica como um mecanismo de fomento do debate. É neste ponto que o consenso acontece: a necessidade de espaço contínuo de debate, na rede e fora dela.

O encontro contou com a presença da Presidente do Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina, Mery Garcia, que também abordou sobre a questão da distribuição. Segundo Mery, a Lei nº 8759, conhecida como “Lei Grando”, estabelece a obrigatoriedade da aquisição de livros de autores catarinenses pelo governo do Estado para distribuir em bibliotecas públicas municipais. Criada em 1992 e regulamentada em 1996, a lei faz com que os livros sejam “apenas distribuídos, mas não compreendidos”, problematizou Mery. A Presidente do Conselho ainda frisou a necessidade de ações complementares de formação como sendo fundamentais para o processo de difusão da literatura catarinense.

A iniciativa privada está dando bons exemplos de projetos que promovem a circulação de autores pelo estado e despertam o interesse pela escrita nos alunos da rede pública de ensino. Fábio Brüggemann citou o projeto Encontro Marcado da Unimed, que promove encontros com o escritores e realiza mostras de trabalhos de alunos a partir da leitura de textos. Dennis Radünz lembrou do Curso de Formação de Escritores promovido pelo SESC. Segundo Dennism o curso registrou cerca de 500 novos autores em todo o estado de Santa Catarina.

Por mais que tentassem se manter no assunto “literatura em si”, a questão da mídia retornava a cada momento na pauta dos escritores. A total falta de espaço na imprensa comercial local e os seus gargalos geográficos da imprensa nacional foram relacionados várias vezes entre os obstáculos tanto do fortalecimento da literatura em Santa Catarina quanto no Brasil.

Victor da Rosa encerrou o assunto sob uma perspectiva alternativa. Lembrando da atenção que a indústria do entretenimento dispensa ao cinema e a música, disparou: “Que bom que a mídia não dá atenção para a literatura!”.

Levando em conta o cenário atual, talvez as literaturas catarinense e brasileira não estejam em uma situação tão ruim. Já imaginou o Salim Miguel e o Rubem Fonseca tendo que participar da dança dos artistas?

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