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Sobre elipses e bandeiras

Três de abril do ano dois mil. Esta é a data do registro do domínio www.sarcastico.com.br por um coletivo de jovens (Guto Lima, Eliezer Kuhn, Luiz Henrique Cudo e Thiago Skárnio) empolgados com a possibilidade de reativar o seu zine homônimo dedicado à produção cultural independente na ilha de Santa Catarina com toques de humor e crítica. O zine teve exatamente uma edição em 1995, mas o gosto por produzir informação foi o suficiente para despertar no grupo o interesse na política cultural local e no ativismo pela democratização da comunicação.

A ideia de que o site seria a versão digital de uma mídia impressa por si só já demonstrava o quanto ainda a “tal da internet” era um universo novo. Era uma época em que os e-mails eram acessados algumas vezes por dia, quase todas tarde da noite, após um ritual de espera que vinha acompanhado de um barulhinho irritante do modem discando.Após algumas experimentações de layout (a maioria assumidamente bizarras), o site saiu na versão beta no dia 11 de maio de 2001, durante a “Invasão do Canal Comunitário de Florianópolis pelo Esquadrão Sarcástico”, um evento multimídia de 56 horas de duração (ao vivo!), no qual o coletivo, que também produzia o programa “Apêndice” no mesmo canal, simulou um sequestro anunciado semanas antes em cartazes anônimos pela capital catarinense. O motivo do sequestro era “libertar” o canal comunitário do cabo para que fosse transmitido em rede aberta. Durante esta fase, o Diretor Chico Caprário se uniu ao grupo, que contou com a participação pontual de Ariadne Catanzaro e Lucas Oliveira.

Neste período, tanto a emissora quanto o site passaram a ser mais conhecidos na cidade. O que não mudou foi a disponibilidade dos seus integrantes para a manutenção da página, que chegou a ficar a metade do ano de 2002 sem atualização, devido à dedicação total do então Grupo Expressão Sarcástica à realização do filme “Sorria Você está sendo filmado”.

Foi a partir de 2003 que o SARCASTiCOcomBR se tornou editorialmente autônomo após a participação maior dos colaboradores e de atualizações mais frequentes. O site passou a ser publicado com um software próprio de gestão de conteúdo desenvolvido pelos irmãos TIs Tatiane e Rafael Gonzaga, o que trouxe mais agilidade, já que não era mais necessário passar madrugadas enviando arquivos editados na unha para o provedor.

O fato de se abrir a editoria do portal para todo o tipo de colaboração permitiu publicação de conteúdo variado. Da poesia de gaveta do funcionário público à matéria-denúncia do universitário. Tudo cabia no Sarcástico, que ainda servia como uma espécie de “agenda alternativa” da cidade. Os colaboradores eventuais se tornaram colunistas, que passaram a ser editores, como Evandro Duarte e Pablo Mizraji.

O SARCASTiCOcomBR, ou simplesmente Sarcástico, como é conhecido, cumpriu o seu papel, mesmo que até hoje não se saiba bem qual é. Nos arquivos do site consta a “cobertura crítica” (como batizou o colega Evandro) de todos os Fóruns Sociais Mundiais realizados no país e diversas manifestações socioculturais na região sul. Também em suas páginas virtuais foi possível ver (e gravar em áudio ou vídeo) o nascimento de movimentos sociais como o “Passe Livre” e dezenas de manifestos por uma política cultural em Santa Catarina.

Com o aumento da apropriação tecnológica da sociedade (também conhecida marqueteiramente como Web 2), os blogs e redes sociais se tornaram cada vez mais acessíveis e populares. Os colaboradores do Sarcástico, que até antão possuíam poucas vitrines para as suas fotografias, desenhos e textos passaram a criar seus próprios blogs e divulgar nas redes sociais. De “revista de variedades” o site passou a ser o repositório de um jornalismo diletante dos seus editores, que passaram a abordar temas constantes como a crítica social e política.

Além da evolução da internet, o Sarcástico também vivenciou o início da era Lula, acompanhando toda a sua trajetória transformadora e contraditória em um país que ainda tenta se descobrir enquanto república. Ao passo em que políticas inovadoras no campo da cultura ganharam vulto como o programa Cultura Viva, do MinC, que colocou na pauta do país conceitos e princípios como a Cultura Digital e o Software Livre, (inclusive, nos premiando!) a comunicação seguiu conturbada com a continuidade da perseguição das rádios comunitárias e a omissão de um marco regulatório para o setor.

Em mais de dez anos de existência do Sarcástico, a TV Floripa (o canal comunitário “invadido”) continua sendo transmitida via cabo, a comunidade cultural catarinense ainda espera a sua secretaria própria, os meios de comunicação de massa do Brasil continuam nas mãos de poucas famílias e até internet, que permitiu tantas realizações, corre o risco de ser afetada pela sanha de poder e controle dos governos e corporações.

Os Editores, Evandro Duarte e Thiago Skárnio durante a cobertura da Rio+20.

Os avanços existem, mas se assemelham aos passos de um bêbado tentando chegar em casa. E bêbados também costumam errar o caminho.

Concluindo esta elipse midiática e meio torta, o SARCASTiCOcomBR retornou em 2012 no formato ao seu estado inicial zineiro: uma colagem de impressões e informações nos formatos de texto, desenhos, vídeos e montagens em torno de um slogan que virou lema, que virou bandeira eterna, já que vivemos em um país no qual a realidade é tão perduradora que parece fantasticamente inventada.

DEPOIS DO FIM, O COMEÇO (DE NOVO)

Após a ressaca de 2013, período de grandes conturbações sociais no Brasil, nas quais os reflexos ainda estão sendo analisados e sentidos na pele da população, os editores do Sarcástico entraram em mais um período de isolamento para uma profunda reflexão. O primeiro resultado deste ato de fé poderá ser acompanhado neste site. Mas, se eu fosse você, não nutririam muitas expectativas. As montanhas parecem cada vez mais atraentes.

Texto original publicado em 23 de mar de 2012, atualizado em 3 de janeiro de 2019.

Nota: Apesar de existir desde o ano 2.000, o conteúdo disponível no SARCASTiCOcomBR data de 2012 em diante, ano da migração de sistema de gestão de conteúdo para outro. Existe um projeto de memória e republicação do conteúdo anterior. Quando ele será executado, só Simon-Go sabe.

Peladada Floripa 2013


Vídeo de Maria Estrázulas, especial para o Sarcástico!

Todo segundo sábado de março, várias cidades do hemisfério sul ficam mais coloridas com a World Naked Bike Ride (WNBR), ou, Pedalada Pelada, como é também é conhecida no Brasil.

O movimento faz parte de uma campanha global em que os participantes pedalam juntos sem a obrigação de usar roupas para protestar contra a insegurança no trânsito. Nos países do Norte, a manifestação acontece no primeiro sábado de julho.

Santa Catarina registrou de janeiro até o final de agosto de 2012 90 acidentes de trânsito com ciclistas. Vinte deles foram fatais. “Estamos pelados para mostrar como nos sentimos andando pela cidade”, declara Daniel de Araújo Costa do movimento Peladada, que circulou as ruas de Florianópolis neste Sábado, dia 9 de Março. O SARCASTiCOcomBR acompanhou os 150 ciclistas de corpos pintados, calcinhas ou simplesmente como vieram ao mundo.

As reações dos motoristas, transeuntes e moradores da capital durante a Peladada foram diversas. De buzinas de apoio até as velhinhas de mão na boca. Durante a concentração na pista de skate da Trindade, ouvi um manifestante comentar para o outro: “tinha que ter uma música”, o colega pergunta: “música de striptease?” a resposta: “não, de bicicleta”. Me meto na conversa: “O que seria música de bicicleta?” e ouço uma lista entre “A Bicicleta” da Simone e “Bicycle Race” do Queen. Complementei a lista com a música “Selim”, dos Raimundos. O jovem não conhecia. Fiquei chocado.

Todas as fotos da cobertura in loco pelo celular: http://mobile.skarnio.tv/tag/pedalada-pelada/
Colaboração: Juliana Bassetti e  Maria Estrázulas.

Quando os fundamentalistas saem do armário

Pequenos grupos de homens engravatados, empunhando estandartes e gaitas de fole circulam pelo Brasil no que chamam de “Cruzada pela Família”. Nestas cruzadas, eles literalmente marcham pelas ruas centrais das cidades para, a cada esquina, através de um megafone antigo, bradar frases como “contra o avanço sorrateiro do homossexualismo no mundo inteiro”.

No dia 23 de Janeiro foi a vez de Florianópolis ser agraciada com o desfile da idade média promovido pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO), uma associação sediada no bairro paulista Higienópolis, cuja principal função é difundir as lições de Plinio Corrêa de Oliveira, fundador da Sociedade Brasileira de Defesa de Tradição, Família e Propriedade –TFP.

A missão de vida de Plínio era a “dedicação abnegada em defesa da Civilização Cristã”. O problema é que o que quer que seus seguidores entendam por “Civilização Cristã”, precisa coexistir no mesmo espaço que outros agrupamentos humanos, com outros valores e outras visões de mundo. Esta coexistência implica em uma série de acordos e o exercício cotidiano da tolerância, o que para “pessoas abnegadas” geralmente é um problema.

A dificuldade em lidar com a divergência e a necessidade de impor a própria visão sobre os outros estão entre as características principais dos fundamentalistas. Quando se promove ações para que valores baseados na religião de um grupo se sobreponha à carta magna do país, na qual está registrada a constituição de um Estado Laico, é de fundamentalismo que estamos falando.

Além de desfiles vintage-integralistas, a IPCO promove uma campanha contra a aprovação da PLC 122/2006, um Projeto de Lei de criminalização da homofobia no país. Um dos argumentos dos representantes do IPCO é o de que, caso a Lei seja aprovada, eles não poderão expressar livremente as suas ideias, já que consideram a homossexualidade um pecado. A sustentação desta tese é duvidosa, uma vez que a PLC 122 inclui a homofobia no mesmo parágrafo no qual já é crime o racismo e a descriminação por gênero, idade, procedência e religião na legislação brasileira, o que, segundo a lógica dos fundamentalistas, faria com que alguns comediantes de stand-up, que fazem piadas na linha “preto, viado, judeu e pobre,” estivessem presos há muito tempo.

O limite entre a liberdade de expressão e o delito de opinião é um debate formidável e renderia mais horas e laudas do que já rendeu. O fato é que o argumento citado é um dos pouquíssimos que fogem ao mantra “segundo a bíblia, é pecado” do IPCO, TFP e tantas outras agremiações que usam a Bíblia como um manual existencial. “A subordinação da política à moral, implica pois, numa subordinação da política à Religião” são as palavras de Plinio Corrêa. O “pecado” é o principal motivo para os ataques à descriminalização do aborto e ao casamento gay, duas questões que só deveriam dizer respeito às pessoas envolvidas.

Em contraponto às Cruzadas pela Família, ativistas libertários e movimentos sociais como o GLBTT, Direitos Humanos e Feminista têm se organizado para promover paralelamente aos atos da IPCO, manifestações a favor dos direitos das mulheres, união homoafetiva, Estado Laico e liberdade de expressão. Em Florianópolis não foi diferente.

Enquanto cerca de 20 homens da IPCO discursavam que “casamento é só entre homem e a mulher” e tentavam distribuir seus livros e panfletos entre os transeuntes que não pareciam entender bem se aquela movimentação era um protesto ou uma banda escocesa, manifestantes libertários cantavam “Ô Plínio! Que papelão! Nós não queremos outra inquisição!”.

Amedrontado com as cores berrantes dos agentes da ditadura gay, o coordenador da marcha procura um policial e conversa por alguns minutos. Logo após, o que deveria ser um servidor público vai até os libertários e pede que eles se “manifestem em outro lugar”, o que não é acatado, já que a rua é pública. O detalhe é que, segundo a Lei 13.628/2009 de Florianópolis,  a cidade “reconhece o respeito à igual dignidade da pessoa humana em todos os seus direitos, devendo para tanto promover sua integração e reprimir os atos atentatórios a esta dignidade, especialmente toda forma de discriminação fundada na orientação, práticas, manifestação, identidade e preferências sexuais exercidas dentro dos limites da liberdade de cada um e sem prejuízos a terceiros”. Ou seja, a homofobia já é crime na capital catarinense.

O restante do dia foi marcado pela tentativa de desvencilhamento da cruzada engravatada dos seus perseguidores coloridos. No auge de sua irritação, os membros da IPCO, chegaram a acusar os manifestantes de “Cristianofobia”. Esta ideia, de que os defensores do cristianismo sofrem bullying de pessoas que querem apenas ter o direito de decidir sobre a própria vida, chega a ser irônica, ainda mais vinda de um grupo que possui como herança séculos de tortura e manipulação. Os números falam por si, sobre quem oprime quem: Centenas de homossexuais são assassinados no país todos os anos. Só em São Paulo, 70% já sofreram agressões. São 200 mil mulheres mortas por ano por causa de abortos inseguros no Brasil.

O aspecto positivo de acontecimentos como as cruzadas (além das gaitas de fole), é que uma parte significativa destes indivíduos está finalmente saindo do armário. Do estímulo provocado pelo humor ginasial veiculado todos os dias na TV ao avanço do fundamentalismo religioso no Estado, rebanhos de todos as pelagens enfrentam a vergonha alheia e decidem expor suas posições publicamente. Por mais nonsenses e preconceituosas que elas possam parecer.

Passeatas minúsculas pela moral e os bons costumes e discursos inflamados em palanques públicos não são o problema. O grau de liberdade em uma sociedade se dá na medida em que o debate franco de ideias completamente opostas é feito publicamente sem consequências na epiderme de um dos lados. O problema é o repertório cultural oferecido pela mídia e a formação limitada que a educação pública dispõe. A população não está instrumentalizada suficientemente para lidar com a potência obscurantista presente no Brasil desde a sua fundação.

Enquanto uns promovem atos caricaturais nas ruas, outros vão até a casa das famílias dar caronas para pré-adolescentes participarem de cultos inocentes com bandas de música e tardes de brincadeiras. Em pouco tempo estas tardes idílicas se tornam fins de semana de pregação, e, quando as famílias percebem, os jovens já não se comunicam da mesma forma, pois foram instruídos pelos pastores a não falar o que acontece nestes círculos aos próprios pais.

Por trás de todo fundamentalismo existe um oportunista. É importante reafirmar posições, só que mais do que os seguidores, a atenção deve ser voltada aos pastores, dirigentes e, principalmente, às eminências pardas, pois são elas que lucram com as massas de manobras e trabalhadores escravos preparados desde a juventude.

Temos muitos armários para abrir ainda.

OUTRAS INFORMAÇÕES

Matérias e fotos do Centro de Mídia Independente
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2013/01/515776.shtml
http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2013/01/515806.shtml

Manifesto Coletivo de Alerta Anti-Homofóbico http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2013/01/515825.shtm

Vídeos
http://youtu.be/vQ3cSQN3-_I
http://youtu.be/oOgWg69QQXI

Sobre a PLC 122/2006
Texto: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604
Site de militantes: http://www.plc122.com.br

Entre trilhas e atalhos

O II Fórum da Internet no Brasil não é só feito de Trilhas. Muitos ativistas aproveitaram o momento de encontro presencial para articular desconferências nas ruas e corredores sobre temas urgentes como a situação atual do programa Telecentros.BR, Campanha Banda Larga, e a estagnação do Marco Civil da Internet.

No último dia do 2º #FórumBR acontecerá uma plenária da Sociedade Civil a partir das 9 horas.

Desgovernança

Entre as várias posições divergentes entre o grupo empresarial, governo e a sociedade civil no II Fórum da Internet no Brasil, um fato parece ser compartilhado entre todos: A atual governança da Internet precisa mudar.

Atualmente o protocolo da Internet é gerenciado pela ICANN (acrônimo em inglês para Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números), uma entidade internacional que também administra os domínios de primeiro nível (.org, .com, etc) e com códigos de países (.br, .ar). A ICANN é vinculada ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos desde o início de suas atividades, ou seja, tudo o que fazemos na rede passa, de alguma forma, sob o nariz comprido do Tio Sam. Esta situação é cada vez mais contestada tanto por governos quanto pela sociedade civil global.

O problema é que entregar o controle total da rede para um órgão como a ONU, por exemplo, colocaria nas mãos dos governos a circulação de toda a informação digital no planeta. Lembrando que alguns governos não são exatamente fãs da liberdade de expressão e do anonimato.

Uma das soluções debatidas seria um modelo intermediário: Uma entidade internacional totalmente independente constituída de um conselho misto que contemplasse as várias áreas e setores como é o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Esta é a opção defendida hoje pelo Governo Brasileiro, segundo Rômulo Neves, Chefe da Divisão da Sociedade da Informação do Ministério das Relações Exteriores.

O fato é que enquanto discutimos como não pular da frigideira para o fogo, estamos sendo comidos pelas beiradas. “A internet que a gente conhece, pública, aberta, está deixando de existir” alerta Marília Maciel. do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV). “O conteúdo publicado em plataformas privadas como o Facebook passa a ter uma forma de regulação transnacional da rede através dos termos de uso” completa Marília.

Cheiro de bacon no ar.

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